Gerlandy Leão

 

Criminosa, eu?
Agora resolveram fazer campanha para me enquadrar como bandida porque compro ou assisto filmes piratas [ao politicamente correto deixo claro que não estou fazendo apologia à pirataria]. Passando pela rua vi uma passeata de carros com pessoas todas sinalizadas com camisetas de campanha contra a pirataria, até aí tudo bem. Mas depois vi um out door altamente agressivo sobre você que compra filmes piratas é igual a um formador de quadrilhas, traficante de armas e drogas, membro do crime organizado, explorador de trabalho escravo dentre vários. Não acreditei naquilo. Já não bastava ser constrangida pela abertura de cada DVD “você não roubaria uma bolsa, uma velhinha, isso, aquilo e blá blá, por que roubaria um filme?” . Nem assim conseguiam me convencer que  era uma criminosa. Nessa tarde vieram com a tentativa de que roubavámos empregos de milhares de pessoas e, portanto as locadoras de filmes estavam condenadas à falência. Por quê? Por quê? Porque comprei filme pirata, ou porque baixei filme na internet, ou peguei emprestado com algum amigo.

Mas não colou. Comigo não Juvenal! E olha que eu sou muito sentimental. Não estou falindo nenhuma locadora, ao contrário nunca fui muito boa cliente embora me considere cinéfila desde os 13 anos de idade. Mas também nunca loquei tantos filmes na minha vida como atualmente e mesmo assim não largo o jeitinho alternativo. As pessoas que me conhecem sabem da minha paixão por essas obras maravilhosas, mas não vou falar aqui da arte em si, falo do material, da mídia, do suporte [essa aula eu não perdi] de como este chega e como o aproveitamos.  Creio os únicos que têm sentido verdadeiramente a falta da minha visita são as emissoras de televisão.

Sou daquele tempo que esperava ansiosamente os pacotes de filmes anunciados no início do ano em cada canal. Ficava vibrando só em saber o que passaria ao longo deste. Às vezes nem chegava a ser transmitido na mesma temporada que fora anunciado, mesmo assim aguardávamos animados. Não sei se mais alguém fazia isso, eu mesma nunca comentei com ninguém, mas toda vez que meus irmãos e eu ouvíamos de longe a chamada, corríamos, vibrávamos e gritávamos toda vez que anunciava o que esperávamos, ou até quando falavam em algum que nem conhecíamos, mas no comercial todo filme era bom, principalmente quando citavam “com Fulano de tal e Betrano de lal”. Depois a gente se reunia para comparar os pacotes de cada emissora.

Sabíamos todos os horários cines  em todos os canais. Não assistíamos nada na TV a não ser os filmes. Tínhamos anotações para controlar todas as transmissões e pouco a pouco íamos eliminando o que víamos enquanto aguardávamos o que faltava. Nunca consegui votar naquele programa em que poderia escolher entre três opções o intercine, mesmo assim eu torcia. Era muito mais excitante que qualquer jogo de futebol. Quantas madrugadas passei em frente à TV. E houve dias em que amanhecemos assistindo aos mesmos só pulando de canal em canal. Assisti tantos filmes que nem lembro o nome. Trabalhos lindos mesmos que tentei recuperar depois, mas não tinha muitas informações sobre os mesmos. Foi daí que começamos a nos interessar pelos nomes dos atores, atrizes, diretores, produtores dentre outras coisas como trilhas sonoras. Tudo isso para ter o máximo de informação sobre o bendito  Já que não tínhamos o filme em mãos (pois não era locado) ficávamos torcendo para que a programação não cortasse os créditos no final dos mesmos antes que anotássemos. Ah! era muito bom acumular o máximo de dados sobre as obras e depois ficar discutindo principalmente com meu mano.

Às vezes quando coincidia de não assistirmos, por um ter dormido antes, ou estar em outro lugar a gente indicava um ao outro. Eu nunca fui muito boa nisso, comentava se tinha sido bom ou não e ficava viajando com minhas idéias, até hoje eu me envolvo mais com as idéias do filme. Meu irmão não. Ele era muito bom naquilo, contava para mim detalhadamente tudo o que acontecia. Desde o início até o fim. Atuava na minha frente e fazia trejeitos. Ele se emocionava ao me falar de cada detalhe. Foram vários filmes que ele me narrou, mas quatro me marcaram mais, tanto que pude comprovar depois disso que ele sabia contar muito bem, inclusive esses dois primeiros eu chorei mesmo: Frankenstein de Mary Shelley (que depois de visto tornou-se uma das minhas histórias preferidas), Pequeno milagre, Clube da Luta e A outra história americana. Tudo bem que o infeliz me fez o favor de falar os surpreendentes finais destes dois últimos mesmo assim ele era perfeito imitando o Edward Norton nessas atuações maravilhosas. E toda vez eu me arrepio quando lembro da atuação do De Niro e Aidan Queen em Frankenstein [ Por que chora? Porque ele era meu pai]. Meu irmão foi foda interpretando os dois de uma vez, ainda baixou a cabeça me olhou de lado e fez a boca tortinha do monstro e me lançou: Porque ele era o meu pai. Não teve como segurar o arrepio e as lágrimas. Eu ficava babando a paixão com que ele me detalhava. Só encontrei uma pessoa com capacidade de se aproximar dele com essa paciência pelo menos comigo, não sei se é porque eu sou uma boa “telespectadora/ouvinte”, mas esse grande amigo me narrou o último Rocky tão perfeitamente que nem assisti ainda, me sinto saciada. Me mostrou um rei gritando “Death!!” enquanto se arrepiava, e imitou uns loucos dançando de forma escrota. Achava lindo como ele não também não tinha um pingo de vergonha de interpretar papéis para mim. Pois é, eles  pirateando os filmes. Assistem e me relatam. Quando dá, eu “revejo”.

Eu já morava nessa terrinha quando aluguei meu primeiro filme com dinheiro que juntei do lanche com os demais e pedimos um vídeo cassete de algum irmão da igreja emprestado há dez anos. Foi aí que aprendi a gostar de filmes legendados. Não tinha jeito, não tinha opção, todo mundo com mais de 4 anos deveria lembrar disso, mas as coisas acontecem tão rapidamente que parecem que esquecem até que passávamos um bom tempo rebombinando a fita. A gente ficou super satisfeito na época, mas não dava para saciar nossa sede. Em momento algum nossos pais iam pagar pelo nosso vício e continuávamos consumidores da boa e velha TV. Curtimos poucos, mas ótimas obras que inclusive nunca passaram ou serão transmitidas na tela como Dogma.

Cinema de verdade, telona, demorou mesmo. Fizemos uma tentativa na adolescência e o dinheiro que o nosso pai nos deu não dava nem para pipoca, aí a gente fez um “Agá” e retornamos dizendo que havia esgotado para não constrangê-lo. Eu mesma só fui ver depois que já estava na universidade, tinha meu dinheirinho e podia pagar pela minha entrada. Vez ou outra estou lá sozinha ou com minha mana. Meu antigo contador de filmes nunca pisou numa sala de cinema, nem assim está atrás de alguns que vão só a passeio. Cinema para mim é sagrado. Eu vou para assistir mesmo.

Nos últimos anos a TV tem me visto pouco. Eu nem sei mais a programação cine e às vezes chego até a começar a assistir, porém, muitas vezes cansada eu digo que vou dormir, outro dia eu alugo e assisto. Em outro tempo eu jamais a ignoraria. O sono logo era despertado. Mas agora não. Por muito tempo dei ibope e fui uma das que vibrou com uma lista “dos filmes milionários” que atormentavam as noites de terça e sexta da rede globo. Bons tempos aqueles viu? Teve filme que teve mais de 40 pontos de audiência. Hoje eles servem mesmo só para preencher horários. Não são mais importantes para a programação como há alguns anos. Por isso confirmo: quem perdeu terreno foi a televisão. Os filmes piratas deram alternativa para assistir filmes que provavelmente a pessoa não assistiria, não locaria ou iria ao cinema e sim no máximo acompanhariam por qualquer canal.

O que tem acontecido com as pessoas? Eu nunca vi tanta gente assistindo filmes como agora. Quem consome esses filmes não são clientes que as locadoras e/ou distribuidoras perderam. Esses são uma parcela de pessoas que ignoravam e agora com a facilidade de acesso, com a diminuição dos preços dos aparelhos, têm uma oportunidade de também assistir. E por falar em emprego, que tal olharmos como uma chance (mesmo que informal) para muitos vendedores. E vamos e convenhamos, não fossem pelos piratas nunca os originais baixariam o preço para ficar mais acessível. Ih, acho que peguei mal, de novo pareceu apologia.

Eu pelo menos não tenho deixado de locar, ir ao cinema e até possuo filme original. Mas realmente não abro mão desse jeitinho. Compro, baixo, troco, tenho até fornecedor.

Podem me prender. Eu não me importo, já tenho direito à cela especial mesmo, aproveitem e levem um filminho para mim que vai estrear ano que vem.

Inspiração: Há muitos dias eu queria escrever algo sobre filmes, não encontrava um assunto específico. A campanha caiu como luva.

* Fiz uma lista com nomes de filmes para ser título, mas acho que este foi o que ficou mais adequado mesmo. É um filme de uma história verídica sobre um rapaz que atormenta a vida da polícia através de falsificação de cheques e principalmente por se passar por outras pessoas. O cara é tão monstruoso que chega a passar no concurso para ser advogado sem nunca ter sentado numa carteira na faculdade de direitos. Com atuação brilhante de Leonardo de Caprio (nunca levou estatueta, embora tenha provado que é muito mais que aquele chato do Jack de Titanic) e Tom Hanks (já levou duas para casa), vale a pena conferir.