Gerlandy Leão

 

 

 

 

 

pes.jpgcanoa_blog.jpgninfeia.jpgO pai e os irmãos um pouco mais velhos eram pescadores e diariamente ao voltar para casa eram recepcionados por ela que sempre corria ao encontro recebendo o melhor cardume das mãos do pai que depois de vendido guardaria as moedas no seu cofre feito de garrafa pet. Apesar de pouco, já ajudava a mãe na limpeza dos peixes para serem vendidos no mercado. Sempre acompanhava a mãe ao lavar roupas e louças à beira do rio.

Além disso, contentava-se em brincar na terra, o lugar mais seguro para plantar bananeira, fazer estrelinha, pular corda e correr com os amiguinhos. Vivia numa comunidade ribeirinha e apesar de familiarizada com as águas não se aproximava sem a companhia de um adulto, pois crescera ouvindo que a correnteza era traiçoeira. Uma vez perguntara por que não podia nadar como os demais amigos, a mãe a consolou dizendo que ela era muito criança para isso. E já tinha visto muitas morrerem afogadas porque não estavam preparadas e não podia imaginar perdê-la, toda precaução era pouca, pois quem entrasse no rio sem saber nadar morreria.

 

E assim foi crescendo temendo volume de água e respeitando o limite, pois entendia que o mesmo lugar que causava benefício podia trazer algum mal como as famosas cheias do rio que alagavam todas as casas no início do ano por pelo menos dois meses. Alguns moradores sem condições de sair de casa adaptavam-se colocando tábuas há um metro de distância do chão onde penduravam os poucos móveis. Outros, como eles, tinham a sorte de ter parentes espalhados pela cidade, aguardando as águas secarem enquanto viviam interinamente, para depois voltarem.

 

 

Uma vez andou de canoa com os irmãos que pescavam, eles queriam que ela se acostumasse, mas o medo foi maior e ficou deitada para não olhar para os lados. A rede de pescaria enganchou nas raízes das árvores e eles deixaram a menina sozinha para tentar recuperar a rede evitando serem castigados pelo pai caso perdessem o instrumento de seu trabalho. Ela ficou aos gritos dentro do transporte enquanto os irmãos se esforçavam do outro lado. Preocupados com a menina resolveram voltar, chateados com a perda e ao mesmo tempo amedrontados pelo castigo do pai. Um deles pediu que se calasse e acrescentou que o lugar mais seguro era aquela canoa, que enquanto ela se mantivesse quieta, nada aconteceria. Só precisava sentar e poderia até olhar para o rio desde que não fizesse nenhum movimento, desde que não tocasse às águas, assim nada ocorreria. Os garotos não conseguiram se livrar do castigo e para punir a irmã resolveram não mais levá-la em suas voltas ou mesmo ensiná-la a nadar.

 

O medo a impediu de aprender a nadar cedo e percebia que já estava grande para temer por isso se envergonhava. Um dia ao brincar bem próximo viu um reflexo de luz nos seus olhos vindo do lado proibido. Virou-se para os lados e não viu nenhum daqueles que a repreenderia. Entrou dentro de uma canoa parada na nau e deixou a bola confeccionada em casa cair dentro entre as águas abrindo vários anéis. Contemplou durante muito tempo a beleza daquelas águas, observando o que e quem passava por lá. Às vezes jogava pedras, mas sem esquecer das palavras do irmão que aquele era o lugar mais seguro e da mãe alertando que se não soubesse nadar que não entrasse no rio.

 

 

Não pretendia entrar no rio, mas não custava nada colocar apenas o pé. E brincou por todo resto de tarde pé na margem apoiada pela canoa. Sentindo como se fosse convidada pelas correntes de água que por ali passava para arriscar, preferiu não. E se achava equilibrada suficiente para continuar sua brincadeira à beira do mesmo. Os pés… os pés faziam arcos e criavam dezenas de outros. Olhando para baixo sem se mexer poderia visualizar um peixe, e continuava. Atrevia-se até a balançar onde estava e brincava e se divertia e sorria, pois se sentia segura.

 

Foi surpreendida por uma correnteza que a derrubou para fora do seu aprisco. Há poucos centímetros observava a margem do rio e se debruçava dentro dele. Tentando encontrar chão embaixo dos pés para se equilibrar ao mesmo tempo em que tentava tocar a canoa ou qualquer outro suporte. Não conseguia racionalizar, mas em frações de segundos em um momento tentava fechar a boca para não engolir água em outro se desesperava ao tentar gritar por socorro. Avistava bem perto uma velha com um cachimbo na boca pescando com vara e linha de anzol. Se ela pelo menos se virasse um pouco e lhe estendesse ajuda. E se debateu utilizando braços e pernas trabalhando para tentar salvar a si e olhava para o céu, morreria sabia, ela acreditava em céu e em breve estaria lá. Não podia acreditar que a beira do rio fosse tão funda para ela não encontrar qualquer apoio que fosse.

 

Sentiu-se empurrada novamente por outra correnteza que a jogou para proximidade da margem, onde finalmente encontrou sustento. Tossiu e rastejou subindo pelo barro que deslizava um pouco. Estava viva, sorria e gritava que não morrera. Deitada de bruços ainda na areia lembrou-se de olhar para trás e agradecer àquela correnteza. Percebeu que não era o rio o perigoso, mas algumas correntes de água que vinham com ele. A primeira corrente quase lhe levou a vida ao derrubá-la do seu refúgio, porém a segunda era diferente e a salvara da tragédia que a outra proporcionara.

 

Lembrou-se de agradecer ao erguer-se e sair rio abaixo procurando a sua salvadora, aquela a quem devia a sua vida, aquela que ensinara que o rio não era mau. Trilhou pelos caminhos até observar a calmaria em um lugar junto às plantações de arroz, lá estava a quem devia sua gratidão. O lugar estava mais isolado ainda e considerado mais perigoso pelo ambiente arenoso e por proporcionar poucas condições de sustentação à beira do rio. Só os adultos iam ali e mesmo assim com grande cautela, mas ela ignorou só queria se aproximar da correnteza salvadora de sua vida. Aproximou-se de cócoras para não cair, não cometeria o mesmo erro que cometera da outra vez. Ficaria com os pés no chão, acontecesse o que acontecesse, havendo arcos ou não, havendo o que mais belo pudesse existir, jamais desgrudaria seus pés da margem.

Viu uma Ninféia navegando pelas águas, esquivando-se um pouco para frente no intuito de pegá-la, a menina que não sabia nadar desequilibrou-se mergulhando de cabeça rio abaixo.

 

Inspiração: O amor, meu fascínio pela morte, sonhos, uma família que conheci na infância, uma experiência traumática na beira do rio e outras coisinhas, como eu. Só eu.

Imagem: sem explicações, mas precisei de três imagens. Não tenho o endereço da Ninféia, quem for o dono pode entrar em contato. É que ela é muito bela. http://flickr.com/photos/fabiorosario/1679152618/; http://www.flickr.com/photos/27286898@N00/96082641/